quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A DOUTRINA DO MEHDISMO

A doutrina do mahdismo
Muitos ocidentais gostam de pensar que a religião não tem nenhum papel na política moderna. Entretanto, a crença na figura messiânica do islamismo, denominada o Mahdi ou o Imã Oculto (ou Escondido), é que dirige as políticas do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Os xiitas crêem que o Mahdi voltará, governará sobre um sistema único na terra, e derramará o julgamento sobre todos os não-muçulmanos. Este artigo apresenta a doutrina do mahdismo e mostra como ela afeta o mundo. (extraído de Middle East Media Research Institute [Instituto de Pesquisa Sobre a Mídia do Oriente Médio] – www.MEMRI.org).
De acordo com a tradição xiita, os Doze Imãs, descendentes de Ali Ibn Abi Talib (Imã Ali), primo e genro do profeta Maomé, foram dotados de qualidades divinas que os capacitaram a conduzir os crentes xiitas e para operarem como emissários de Alá na terra. No entanto, quando o Décimo Segundo Imã, Muhammad Al-Mahdi,[1] desapareceu no ano 941 d.C., sua conexão com os crentes xiitas foi rompida. Desde então, foi ordenado aos xiitas que aguardem pelo retorno dele a qualquer momento.
Nesse ínterim, os clérigos xiitas mais destacados são considerados representantes dos Imãs. Assim, eles têm autoridade para tratar dos assuntos da comunidade xiita, principalmente nas esferas religiosa e jurídica, até que o Imã Oculto retorne, lidere a comunidade xiita e a liberte de seus sofrimentos.
De acordo com a crença xiita, durante o período da ausência do Mahdi (período esse denominado ghaibat ou “ocultação”), ninguém, exceto Deus, sabe a hora do retorno do Mahdi, e nenhum homem pode pressupor ou prever quando essa hora chegará. Com o reaparecimento do Mahdi, todos os males serão reparados, a justiça divina será instaurada e a verdade do islamismo xiita será reconhecida pelo mundo inteiro (mahdismo).[2]
O mahdismo e o regime islâmico no Irã
Desde o estabelecimento do regime islâmico, em 1979, até a ascensão ao poder de Mahmoud Ahmadinejad, em agosto de 2005, o mahdismo vinha sendo uma doutrina religiosa e uma tradição que não possuía nenhuma manifestação política. O sistema político funcionava independentemente dessa crença messiânica e da expectativa do retorno do Mahdi. Foi apenas com a presidência de Ahmadinejad que essa doutrina religiosa tornou-se uma filosofia política e foi levad a um lugar central na política.
Aiatolá Ahmad Jannati, chefe do Conselho de Guardiões.
Durante a era do aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador do regime islâmico do Irã, o mahdismo permaneceu fora do âmbito político. Sem dúvida, porém, a era de Khomeini foi caracterizada pelo fervor messiânico. Os iranianos atribuíam qualidades messiânicas a ele e lhe conferiram o título de “Imã”, que até então havia sido reservado para os Doze Imãs. Na verdade, a chegada de Khomeini ao poder foi vista na época como a realização da profecia que dizia respeito ao retorno do Mahdi.
A instauração do Governo do Jurisprudente (velayat-e faqih) por Khomeini no Irã motivou uma transformação no xiismo, substituindo sua tradicional passividade por uma perspectiva mais ativa. Como parte dessa mudança, Khomeini afirmou que os xiitas não deveriam apenas aguardar passivamente pelo retorno do Mahdi, mas deveriam ativamente preparar o terreno para seu retorno e para a libertação da comunidade xiita. Um componente dessa abordagem ativa foi a tomada do poder pelos clérigos. Entretanto, Khomeini manteve a doutrina do mahdismo na periferia da esfera política. Ele nem afirmou possuir uma conexão direta com Deus, nem presumiu prever a hora do retorno do Mahdi.
Após a morte de Khomeini em 1989, o mahdismo teve um declínio no Irã. As administrações de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-1997) e de Mohammad Khatami (1997-2005) mantiveram uma estreita separação entre a política e o mahdismo – uma política que mudaria com a presidência de Ahmadinejad.[3]
Este documento analisa a politização do mahdismo pelo presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad e por seu mentor espiritual, aiatolá Taqi Mesbah-e Yazdi.
O messianismo na política externa iraniana
A doutrina messiânica do mahdismo também está manifestada na política externa iraniana, especialmente em sua atitude com relação às superpotências ocidentais e com respeito ao programa nuclear. O aiatolá Mesbah-e Yazdi, mentor de Ahmadinejad, expressou a seguinte abordagem em um discurso no dia 11 de outubro de 2006: “A maior obrigação daqueles que aguardam o aparecimento do Mahdi é lutar contra a heresia e a arrogância global [i.e., do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos]”.[4]
Os discursos de Ahmadinejad são caracteristicamente irônicos a respeito das “forças da arrogância”, i.e., do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos, e ameaçadores com relação a quaisquer pessoas que não aceitem o messianismo xiita como uma alternativa à “perdição e destruição” que as está aguardando: “Aqueles que não responderem ao chamado para prosseguirem em direção à verdade – um bom destino não os aguarda. Ouvi dizer que o presidente de um desses países [i.e., o [então] presidente dos Estados Unidos, George Bush] (...) disse que o presidente do Irã o estava ameaçando. Eu disse a ele: ‘Não sou eu que o está ameaçando. É o mundo inteiro que o ameaça porque o mundo em sua totalidade é rápido contra a opressão e os opressores. Vocês [países ocidentais] não são nada comparados ao poder de Deus. Nós os convidamos a [tomarem] o caminho da retidão, o caminho dos Profetas, do monoteísmo e da justiça. Se pensam que podem se sentar em seus palácios de cristal e determinar o destino do mundo, vocês estão enganados. (...) Nosso chamado [a vocês] para tomarem a direção da verdade [tem origem] na compaixão. Não queremos que se metam em problemas, uma vez que vocês sabem que o resultado da opressão e da injustiça é perdição e destruição”.[5]
Essas características também são evidentes na política nuclear de Ahmadinejad. Em contraste com o governo de Khatami, que se empenhou por amenizar a posição do Ocidente com respeito à questão nuclear via constante diálogo, Ahmadinejad e seu círculo mais próximo não evitam confrontar o Ocidente, já que eles consideram que essa luta é uma das maneiras de preparar o terreno para o retorno do Mahdi.
De acordo com o diário Rooz, “Alguns daqueles mais próximos de Ahmadinejad, que freqüentemente falam sobre [a necessidade de] preparar o terreno para o retorno do Mahdi, fazem explicitamente a ligação [do destino] do dossiê nuclear iraniano com essa necessidade. (...) De acordo com informações confiáveis, eles enfatizaram, em diversas reuniões privativas, que a oposição [iraniana] à pressão global [sobre o programa nuclear iraniano] e sua insistência no direito de utilizar a energia nuclear estão entre as maneiras de preparar o terreno para o retorno do Imã [Oculto]”.[6]
Aiatolá Ahmad Khatami, um amigo chegado de Ahmadinejad.
O mahdismo e a ideologia do aiatolá Mohammad Taqi Mesbah-e Yazdi
Um discurso feito no Seminário Internacional sobre a Doutrina do Mahdismo pelo aiatolá Mohammad Taqi Mesbah-e Yazdi mostra que ele também considera a crença no Mahdi como um conceito que transcende o âmbito religioso ou teórico. O aiatolá Yazdi deu a essa crença uma tangível dimensão político-ideológica quando explicou que o retorno do Mahdi levaria ao estabelecimento de um governo único sobre todo o mundo e que a presente batalha contra os infiéis e contra “a arrogância global” está preparando o terreno e apressando a vinda do Mahdi:[7]
“Implementar as leis do islamismo, estabelecer a justiça e lutar contra a heresia e a opressão são os deveres mais importantes daqueles que aguardam o [retorno do] Imã Oculto e preparam o terreno para sua vinda. (...) Devemos intensificar a fé religiosa e [o poder] da religião no Irã e no mundo inteiro. (...) Com a finalidade de apressar a vinda do Imã Oculto, devemos disseminar a justiça e a lei religiosa para aumentarmos a consciência do público a respeito dessas coisas [por todo o mundo] para que a fé [xiita] seja aceita pela sociedade [em todos os lugares]. (...)
Um dos aspectos ideológicos da doutrina mahdista é [sua] universalidade, uma vez que o Mahdi vem para estabelecer justiça e retidão no mundo inteiro. Um outro aspecto é a disseminação da justiça e da retidão [segundo a lei de] um único homem, um único centro, e um único sistema. Como o Imã Oculto é o responsável pela disseminação da justiça e da retidão, o mundo precisará ter um único centro e governo (...) para que possa sair de um estado de [divisão] e estabelecer um único governo [universal] dirigido pelo [Imã Oculto], e todo tipo de opressão e de exploração será [então] banido do mundo”.
Em um discurso em 2006 que marcava o aniversário do Mahdi, o aiatolá Mesbah-e Yazdi enfatizou a importância de lutar contra a heresia que, em sua opinião, está retardando a vinda do Mahdi:
“Nosso mais nobre dever é lutar para reduzir a opressão, ser mais [rigorosos] na execução da lei islâmica (...) e enfraquecer o controle dos regimes opressivos e tirânicos sobre os oprimidos. Essas [ações] podem [acelerar] o retorno do Imã Oculto. (...) Se quisermos acelerar a vinda do Mahdi, devemos remover quaisquer obstáculos [que estejam atrasando seu retorno]. Quais são os obstáculos que estão atrasando o aparecimento do Mahdi? [Eles são] a negação [herética] da bênção [conferida] sobre a sociedade pela presença do Imã, [assim como] a ingratidão, a insubordinação e as objeções [à doutrina do mahdismo]. Se quisermos apressar a vinda do Mahdi, devemos eliminar esses obstáculos. Devemos lutar para instaurar maior justiça, assegurar uma implementação [mais rigorosa] da lei islâmica, [fazer com que] as pessoas tenham maior interesse na fé e suas diretivas, [estabelecer] as leis religiosas como [valores] dominantes da sociedade, [assegurar] que a fé religiosa seja tida como um consenso nas conferências, e limitar [o controle dos opressores, i.e., das potências ocidentais] sobre os oprimidos em todo o mundo – tanto muçulmano quanto não-muçulmano. [É isso que devemos fazer] a fim de prepararmos o terreno para a vinda do Mahdi. Dessa forma, a maior obrigação daqueles que aguardam o aparecimento do Mahdi é lutar contra a heresia e a arrogância global”.[8]
Fatemeh Rajabi, que é afiliado ao Ansar-e Hezb’allah e autor de um livro sobre Ahmadinejad intitulado The Miracle of the Third Millenium [O Milagre do Terceiro Milênio], disse que o “governo de Ahmadinejad [foi estabelecido para facilitar] a vinda do Imã

A POLÍTICA MESSIÂNICA DE AHMADINEJAD

Imediatamente após assumir a presidência do Irã, Mahmoud Ahmadinejad começou a declarar sua crença no retorno iminente do Mahdi como base para suas atividades políticas. A despeito da crença tradicional de que ninguém pode prever a hora do retorno do Mahdi, Ahmadinejad freqüentemente afirmava que a vinda dele estava próxima, e até mesmo fez uma predição específica. Durante uma reunião com o ministro de Relações Exteriores de um país islâmico, ele disse que a crise no Irã “era um presságio da vinda do Imã Oculto (ou Escondido), que apareceria dentro dos próximos dois anos”.[1] Em um discurso feito em dezembro de 2006 em Kermanshah, Ahmdinejad desejou aos cristãos um Feliz Natal, e disse: “Eu, neste ato, anuncio que, com a ajuda de Deus, não está longe o dia em que Jesus voltará ao lado do Imã Oculto”.[2]
Ahmadinejad não apenas desejava proclamar a iminente vinda do Mahdi e, desta forma, dar legitimidade a sua política e suas ações ao associá-las com o Imã Oculto, como também se apresentou como sendo aquele que está em conexão direta com Deus. Em um discurso sobre o programa nuclear do Irã, ele afirmou ter “uma conexão com Deus” e exortou os iranianos a serem crentes verdadeiros para que Deus os apoiasse em sua luta justa em favor da tecnologia nuclear.
“Creiam[-me], falando legalmente, e aos olhos da opinião pública, nós fomos absolutamente bem sucedidos. Falo isso com conhecimento de causa. Certa pessoa me perguntou: ‘Você realmente possui uma conexão? Com quem?’ Eu respondi: ‘Tenho uma conexão com Deus’, uma vez que Deus disse que os infiéis não terão como fazer mal aos crentes. Bem, [mas] apenas se formos crentes, porque Deus disse: Vocês [serão] os vitoriosos. Mas os mesmos amigos dizem que Ahmadinejad diz coisas estranhas.
Se nós formos [verdadeiramente] crentes [islâmicos], Deus nos mostrará a vitória, e este milagre. Hoje é necessário que um camelo fêmea surja do coração da montanha[3] para que meus amigos aceitem o milagre? Não foi a Revolução [Islâmica] [suficientemente] miraculosa? O Imã [aiatolá Khomeini] não foi um milagre?”.[4]
Ahmadinejad também se apresentou como aquele que está inteirado das intenções e ações de Deus, o que se refletiu em sua afirmação de que “Deus designou o Imã Oculto para ser nosso sustentador”.[5] A reivindicação de ter um relacionamento direto com Deus também ficou evidenciada no discurso que ele fez quando de seu retorno ao Irã após ter se pronunciado na Assembléia Geral da O.N.U., em 2005. Ahmadinejad afirmou que, à medida que ele estava fazendo seu pronunciamento na O.N.U., sentiu-se “rodeado por um halo de luz” simbolizando a natureza messiânica de sua mensagem às nações do mundo.[6]
Os discursos de Ahmadinejad têm sido caracterizados pelo uso de termos messiânicos e pela ênfase na necessidade de preparar o terreno para o retorno do Mahdi.[7] Por exemplo, em um discurso feito em maio de 2007 na província de Kerman, ele disse: “Temos uma missão – fazer do Irã o país do Imã Oculto”.[8]
Como parte do compromisso dos ministros iranianos com essas preparações, e a partir da sugestão de Parviz Daoudi, assessor sênior de Ahmadinejad, eles assinaram um compromisso de fidelidade a Ahmadinejad.[9]
De acordo com sua política messiânica, Ahmadinejad também endossou uma tradição folclórica iraniana-xiita que afirma que o Imã Oculto dá importância especial à mesquita Jamkaran, em Qom – uma tradição que não tem sido apoiada pelas autoridades religiosas conservadoras.[10] Como parte dessa política, o ministro Iraniano da Cultura e da Orientação Educacional Islâmica, Mohammad Hossein Saffar Harandi, recebeu a ordem de jogar o compromisso de fidelidade dos ministros em um poço no pátio da mesquita Jamkaran, onde os crentes jogam suas orações e pedidos pessoais.
De acordo com sua política messiânica, Ahmadinejad também endossou uma tradição folclórica iraniana-xiita que afirma que o Imã Oculto dá importância especial à mesquita Jamkaran, em Qom – uma tradição que não tem sido apoiada pelas autoridades religiosas conservadoras.
Ahmadinejad também alocou 10 milhões de dólares para a renovação da mesquita e de seus arredores em preparação para o retorno do Mahdi, e, em 2005, gastou em torno de 8 milhões de dólares em refrigerantes para os peregrinos durante a celebração do aniversário do Mahdi.[11] O encorajamento do regime ao mahdismo também fica evidente no conteúdo do site do serviço de notícias do governo do Irã. Por exemplo, o site apresenta informações sobre a série iraniana de televisão chamada “O Mundo em Direção à Iluminação”, que trata da chegada iminente do Mahdi.[12]
Deve-se observar que as manifestações políticas das crenças messiânicas de Ahmadinejad eram evidentes mesmo antes de sua eleição à presidência do país. De acordo com relatos, durante seu mandato como prefeito de Teerã (2003-2005), a municipalidade imprimiu um mapa da cidade que mostrava, dentre outras coisas, o roteiro que será empreendido pelo Mahdi quando de seu retorno.[13]
No Seminário Internacional Sobre a Doutrina do Mahdismo, realizada no Irã nos dias 6 e 7 de setembro de 2006, durante as celebrações do aniversário do Mahdi, e tendo a participação de representantes de diversos países, Ahmadinejad enfatizou a natureza universal e ativa do mahdismo e convidou o Ocidente a aceitá-la:
Hoje, a humanidade está prosseguindo em direção à verdade. Hoje, a felicidade da humanidade depende de se prosseguir em direção à verdade. Hoje, nós convidamos a todos para prosseguirem em direção à verdade, uma vez que [a verdade] é o único caminho (...) Esta celebração [do aniversário do Mahdi] não é apenas para os muçulmanos, mas para todo o mundo. O Mahdi pertence a toda a humanidade (...).
O Imã Oculto não possui uma presença tangível entre nós, mas ele está sempre [aqui], e devemos preparar o caminho para seu rápido aparecimento (...) Alguns afirmam que, durante sua ocultação, sua [nobreza] está suspensa, mas isso não é verdade (...) Pelo contrário, devemos nos apressar em direção a ele e acelerar o passo para preparar o caminho para seu aparecimento. [Ele não aparecerá] se nós ficarmos sentados preguiçosamente. A humanidade deve avançar com rapidez em direção ao Imã Oculto a fim de alcançá-lo. Uma pessoa que [apressa ativamente a vinda do Imã] é diferente daquela que não o faz (...) Hoje, a humanidade está prosseguindo rapidamente em